Uma entidade promotora de desenvolvimento urbano, social e funcional no Centro de São Paulo.
Saiba Mais +Visam fortalecer a comunidade do Centro de São Paulo e melhorar a qualidade do espaço público da área.
Saiba Mais +Mais de 4 mil títulos e mais de 18 mil imagens.
Saiba Mais +Associe-se, seja um voluntário, participe de nossos programas, projetos e campanhas. Usufrua da Rede de Benefícios Viva o Centro.
Saiba Mais +O Centro ao seu alcance. Venha viver o Centro!
Saiba Mais +O que vai pela Viva o Centro, nas Ações Locais e no cotidiano da região. Envie a sua informação.
Saiba Mais +
"Consegui estabelecer um plano. Saí da rua" Depoimento de A. C., ex-morador de rua
Minha experiência nas ruas começa em 1999, um pouco depois dos meus 16 anos, devido a alguns problemas psicológicos da minha mãe. Ela é maníaco-depressiva e eu tinha um pensamento político radical, fui partidário do anarquismo. Participava de manifestações frequentemente e, em decorrência disso, minha mãe acabou me pedindo para sair de casa. Era difícil para uma pessoa doente como ela conciliar os cuidados com a própria saúde mental e o filho adolescente revoltado, lhe dava muita dor de cabeça.
Ao relento Eu tive minha primeira experiência de dormir na rua em uma manifestação de professores. Eles fizeram um acampamento na Praça da República e eu fiquei por lá até o final da manifestação. Quando acabou, não tinha mais para onde ir. Ali fiz contato com pessoas que eram do movimento punk, do qual vim a fazer parte. Depois a gente foi para a Zona Leste, invadimos casas, fomos expulsos... Naquele ano, vivi nesse caminho por um período de oito meses. No ano seguinte, fiquei seis meses morando na rua, e no outro, quatro meses, sendo dois deles no Rio de Janeiro e os outros dois em Curitiba. Fui de carona para ambos os lugares.
As drogas Nesse meio tempo eu me tornei usuário de drogas. Consumia muita droga, e isso era o que me motivava a viver na rua. Um dia, indo para o Rio de Janeiro, encontrei uma clínica de recuperação de drogados. Para conseguir comida e um teto para dormir durante uma noite, a gente tinha que assistir a uma palestra. Nessa palestra, o sujeito falava sobre peregrinação, sobre o entrar dentro de si, reconhecer suas forças, suas debilidades. A partir desse ponto, chegar ao Rio de Janeiro, passar dois meses lá, voltar para São Paulo e voltar para Curitiba, tive tempo para pensar sobre o que eu queria para a vida. Foi a partir desse ponto que comecei a me tratar psicologicamente. Não com especialistas, mas comigo mesmo. Pensei: tenho que trabalhar, conseguir uma casa, nem que seja para alugar um barraco em uma favela na Zona Leste.
Recaídas Não foi fácil. Como fui usuário de drogas, tive problemas terríveis de recaídas. Deixei emprego, quis voltar para a rua, que é a saída mais fácil, mas não a melhor. Enfim, nessas idas e vindas, consegui estabelecer um plano e chegar até onde cheguei hoje. Sou casado, tenho uma filha, um trabalho estável, minha casa. Conquistei minhas coisas.
Autodestruição Imagina o cara que tem até 5ª série, trabalha em uma fábrica, mas devido à crise mundial é demitido. Por ser um dos menos preparados, o lado mais fraco da corda, fica parado um, dois meses... aí não consegue pagar aluguel, é despejado. Ele e a família vão para a rua. Como é que fica a cabeça desse pai de família que até então poderia não ter vícios? Ele entra em estado de depressão. Começa a se autodestruir por não ver solução. Eu usava um termo na adolescência: a gente não vê futuro quando está nessa situação. Não conseguimos enxergar o que tem na frente. A gente tem que viver o hoje, se preocupar com o agora, porque daqui a 10 metros pode ser atropelado, pode ter um ataque cardíaco. Eu não sei o que vai acontecer amanhã, tenho que me preocupar em viver o agora, preciso comer agora, preciso dormir agora. Então eu acho que isso é uma bola de neve, é mais político do que pessoal. Só que o pessoal influi muito. As pessoas que têm uma cabeça mais fraca têm uma tendência maior à autodestruição e ao suicídio.
Crack Hoje o morador de rua tem uma proximidade maior com o crack. Antes, pelo que eu via, eles (os traficantes) poupavam mais as crianças, hoje em dia está desenfreado. Antigamente, as crianças usavam muita cola de sapateiro. Hoje, talvez devido ao preço, a ene fatores, o crack se aproximou e acabou pegando essa parcela da população. Acho que o crack é um dos grandes responsáveis por esse descontrole. Depois das ações no Bairro da Luz, o problema se espalhou pelo Centro de São Paulo. Tentaram resolver de um jeito e atrapalhou de outro. Os moradores de rua foram para Santa Cecília e acabaram expulsando os que estavam lá. Tem morador de rua tentando se localizar até agora. Foi bom por um lado, já que vai revitalizar a Luz, que é um bairro lindo, mas por outro, acabou espalhando o problema. E isso vai ser um problema para a sociedade corrigir.
Mau uso do dinheiro Brinco com meus amigos até hoje: falo que conseguia mais dinheiro na época em que vivia na rua do que hoje trabalhando o mês inteiro, mas gastava o dinheiro muito rápido. Às vezes recebia R$ 20 em um dia e ia dormir em um hotel. Não ficava na rua, correndo o risco de acontecer alguma coisa. Por eu ter feito parte do movimento punk tinha o problema com os skinheads. Então, todo o dinheiro que a gente conseguia, ou a gente gastava em droga ou comida ou local para ficar uma noite.
Albergue Cheguei a freqüentar um albergue em Curitiba, inclusive modelo. O tratamento que davam às pessoas era muito perfeito, não um hotel cinco estrelas, claro, mas em questão de dignidade o atendimento dado pelos funcionários era muito bom. Eu freqüentei um aqui em São Paulo, na Santa Cecília, que é complicado. É pequeno, se você chegar cinco minutos mais tarde não tem mais direito a banho. Se tiver, o banho é gelado. Dormir é no chão. O problema dos albergues em São Paulo é esse, muita gente, pouco espaço e nem sempre um atendimento digno às pessoas que estão nessa condição, ou seja, de precisar de um albergue. Grande parte dos moradores de rua que conheci nessa minha experiência sempre teve problemas com regras. Você tem que estar aqui tal hora, sair cedo. As pessoas discordam disso e não voltam mais ao albergue. Outras não voltam porque foram tratadas com descaso pelos funcionários. Tanto em um albergue quanto na rua o desabrigado é ignorado. Querendo ou não é o inconsciente. Todo mundo passa por tantos problemas que acaba ignorando o morador de rua e todo o resto. Este, por se tratar de uma pessoa que está sentindo o problema na pele, fica mais sensível. O descaso e a indiferença são as coisas que mais desmotivam as pessoas a frequentar os albergues. Outro motivo e a falta de liberdade para poder sair e voltar, não são todos os albergues que permitem. As instalações também não ajudam. Se for para dormir no chão e tomar banho gelado, você consegue isso na rua. A única diferença é que se chover você vai ter um teto para não se molhar.
Corrupção O número de moradores de rua tem aumentado devido à política brasileira errada há mais de 500 anos. Era uma bolinha que foi aumentando e virou uma bola de neve. Eu acredito que o poder público, se não se preocupasse tanto em desviar verbas, poderia dar uma educação melhor para as crianças, uma condição melhor para os jovens se prepararem para trabalhar quando ficassem adultos.
Apoio psicológico Eu acredito que grande parte da população de rua, se tiver um acompanhamento psicológico, se tiver um Norte, uma condição digna, sai dessa situação. Muitas dessas pessoas, mais do que problemas de cunho financeiro, têm problemas de cunho psicológico e estão nessa situação porque é mais cômodo e mais fácil. A solução para o morador de rua é fazer um acompanhamento, tratamento mesmo, recuperar a dignidade, tentar trabalhar, armar possibilidades. Vocês podem ver que o número de catadores de papelão aumentou muito de 1999 para cá. Antes não tinha tanto essa preocupação com reciclagem como agora. Os moradores de rua passaram a se interessar. Não deixa de ser um trabalho digno, inclusive muito mais suado que o nosso. Quando a gente está na rua, sem ter para onde ir, e percebe que não tem mais nada, somente a roupa do corpo, o sapato furado, se morrer não vai fazer falta a ninguém... se nessa hora alguém chega e diz: ?Batalha por você, você só tem você, batalha, conquista?, essa pessoa consegue enxergar à frente. É por isso que eu acredito que o tratamento psicológico é a melhor forma para alguns indivíduos, até para quem tem problema com droga, bebida... um atendimento psicológico ajuda muito. Isso um assistente social pode aconselhar, mas o psicólogo é que vai trabalhar mais alto.
Uma chance Alguns moradores de rua têm um potencial incrível. Conheço um cara que já escreveu livro, mandou para fora do país e estava morando na rua, aqui no Brasil. Algumas pessoas que estão nas ruas não querem ficar nessa situação, por mais que em alguns dias tenham vontade de jogar tudo para o alto, beber até cair, fumar maconha até dizer chega. O morador de rua quando vê uma oportunidade, quando aparece alguém que o motiva e lhe dá uma chance, abraça a oportunidade com garra, com tudo o que tem. E o que tem é só ele mesmo.
Veja mais
Enfrentando a tragédia que é morar na rua
Como é o atendimento de quem está ou fica doente e mora na rua
Moradores de rua e mercado de trabalho
Ex-presidiários vivendo nas ruas. O que faz o governo?
A função da GCM com pessoas em situação de rua
?Falta uma porta de saída para não continuarmos nas ruas"
Gestão de Pesaro na Smads e os moradores de rua
|