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Criança na rua é problema de todos
Por Ana Maria Ciccacio
?As pessoas precisam ter perspectivas na vida, do contrário consideram o outro como nada, e também aos próprios filhos. Por isso há tantas crianças nas ruas?, afirma Geraldo Salvador de Souza, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), órgão de formação mista encarregado de controlar as políticas públicas voltadas a essa questão. ?Temos aí um problema não só político, como cultural e religioso. Por isso a solução tem que vir de toda a sociedade, sem a interposição de vaidades.? Leia entrevista de Salvador para a série de reportagens que o informeOnLine está publicando sobre crianças e adolescentes em situação de rua no Centro de São Paulo.
?Nossa religião tem que ser a criança e o adolescente. Quando for, vai mudar?, costuma dizer Salvador. ?Precisamos chegar a soluções perenes e continuadas. Não vai adiantar nada passar com a kombi e um funcionário dentro, recolher a criança ou o adolescente e levar para algum abrigo. Tem que trabalhar a reinserção desse jovem na família e, quando não der, levá-lo para um abrigo, mas não qualquer um. Tem que ser um que lhe dê realmente condições de crescer com dignidade e receber formação para se manter. E não é o que temos tido?, disse ele de Maceió, por telefone, no intervalo dos trabalhos do Fórum Nacional dos Conselheiros Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e Condecas, que está reunindo naquela cidade representantes de cidades de 27 Estados.
O CMDCA, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei que está completando 17 anos nesta sexta-feira (13/7), tem a atribuição de deliberar e acompanhar as políticas públicas em prol de crianças e adolescentes em situação de risco. Em São Paulo ele foi instituído em 1991 pela então prefeita Luíza Erundina e hoje está baseado na Secretaria Municipal de Participação e Parceria. Trata-se de um órgão misto, composto por 32 conselheiros, sendo 16 da sociedade civil e 16 indicados pelo poder público.
O CMDCA também capacita, orienta e acompanha os trabalhos dos Conselhos Tutelares (órgãos igualmente previstos no ECA e voltados à zelar pelo cumprimento do estatuto), além do Fumcad (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, que prevê dedução de IR para a empresa ou pessoa física que contribuir com algum projeto social aprovado pelo CMDCA).
Salvador assumiu a presidência do CMDCA em agosto de 2006. ?Procurei então criar um grupo de trabalho dentro do Conselho e devemos terminar o diagnóstico dos abrigos em novembro, porque recolher criança de rua obriga o poder público a ter um abrigo adequado, onde ela seja protegida e cuidada. Hoje o sistema de abrigos está falido por apresentar inúmeros problemas e não se adequar às normas do ECA.?
O que não funciona?
Uma questão sempre colocada pela sociedade civil é o por quê de tanta criança e adolescente em situação de risco nas ruas de São Paulo. ?Nossas políticas públicas não estão atingindo as nossas periferias e mesmo as que atingem não estão correspondendo às necessidades das famílias de baixa renda. Quando essas políticas não chegam a famílias do Jardim ngela, ou do Jardim Jacira, Parelheiros ou Guainases, a tendência é a ?migração? de crianças e adolescentes, que fogem de famílias desestruturadas, maus tratos e fome para o Centro.?
Segundo Salvador, o Centro produz nessas crianças a falsa sensação de liberdade. ?Tenho perguntado a elas por que saem da periferia em direção ao Centro. E elas sempre respondem: ?Por que gosto e não sinto medo`. Isso somado à falta de políticas públicas adequadas dá nesse quadro que temos aí.?
Uma lei pela qual Salvador diz que se apaixonou, depois do ECA, é a Lei do Aprendiz, que prevê o emprego de adolescentes de 15 a 21 anos pelas empresas na proporção de 5% a 15% de seus empregados adultos, com acompanhamento de ONGs especializadas. Essa moçada teria acesso a uma profissão e receberia uma bolsa-trabalho para estudar à noite. ?Se essa lei fosse aplicada hoje em São Paulo teríamos pelo menos 50 mil jovens já encaminhados. Não é pouco.?
?As pessoas, além disso, se esqueceram de Deus?, acha Salvador. ?Hoje há homens que têm três, quatro famílias na periferia, mas nenhuma responsabilidade com nenhuma delas. As mulheres têm que se virar. Chego ao ponto de dizer que quase a totalidade das famílias de baixa renda são mantidas hoje exclusivamente por mulheres, mesmo quando os homens convivem com elas. Os homens se transformaram em seres secundários, que não dão valor algum à família. Isso leva a que o ser humano seja tratado como nada. Não faltam só políticas públicas, mas tem que mudar a cultura. A mobilização para ser eficaz tem que ser total, de toda a sociedade: poder público, ONGs, empresários, instituições religiosas, profissionais da saúde, educadores, jornalistas ? todo mundo?, finaliza.
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