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Egresso de penitenciária recuperou cidadania. Seus direitos são os mesmos de qualquer cidadão

25/08/2006

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03/06/09

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Egresso de penitenciária recuperou cidadania.

Seus direitos são os mesmos de qualquer cidadão

 

Jesus Carlos

Moradores de rua no Vale do Anhangabaú

Acompanhe as respostas do coordenador de Reintegração Social e Cidadania, do Governo do Estado de S. Paulo, Mauro Rogério Bitencourt, às questões formuladas pela Viva o Centro para a série de reportagens ?Enfrentando a tragédia que é morar na rua.?

 

Associação Viva o Centro ? Procede a afirmação de que entre os moradores de rua na cidade de São Paulo há muitos egressos das prisões?

Mauro Rogério Bitencourt, coordenador de Reintegração Social e Cidadania, da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SAP) ? Procede. Há egressos entre moradores de rua e entre albergados. Algumas pessoas presas ? felizmente não é a maioria ? são abandonadas por suas famílias. Quando deixam o sistema prisional, por não terem para onde ir, ficam pelas ruas ou em albergues. E há os que utilizam os albergues enquanto estão em trânsito. São pessoas de outros Estados, têm família, mas perderam o contato com ela, e, até recuperá-lo ou conseguir com os serviços sociais do município uma passagem de volta, ficam no albergue ou na rua.

 

Enquanto organismo voltado à reintegração social do egresso, o que seu setor tem feito para que este não permaneça em situação de rua?

Trabalhamos com 17 Centrais de Atendimento ao Egresso (CAES), sendo uma delas na capital (Rua Francisca Miquelina, 232, Centro) e as demais no Interior do Estado. Quando digo que alguns dos nossos egressos saem das penitenciárias e procuram os albergues é porque muitos deles já saem orientados por nossas Centrais a procurá-los. Recentemente, lançamos o Guia do Egresso, com o endereço dos albergues e outros serviços sociais com os quais temos convênios, porque sabemos que nesses lugares o egresso terá acolhida e poderá esperar até resolver aquela situação pela qual está passando. Também estamos providenciando o envio para as unidades prisionais de cartazes com os endereços das Centrais. Nas unidades prisionais, antes de sair, o egresso conversa com a equipe técnica, formada por psicólogos e assistentes sociais, que também o orienta a procurar as Centrais.

 

Que tipo de serviço as Centrais oferecem para a inserção social desse cidadão, uma vez que se ele ficar pelas ruas ou em albergues e, nesse ínterim, não conseguir reencontrar a família ou arrumar emprego tenderá a reingressar no crime?

As centrais procuram fazer parcerias com albergues e lugares onde o egresso possa tomar um banho, se alimentar, dormir e se vestir. É o suporte necessário para os primeiros momentos em liberdade. A CAE também busca parceria para a regularização da documentação dessa pessoa (RG, Carteira de Trabalho, Título de Eleitor) e apoio jurídico, porque às vezes o egresso precisa fazer uma baixa na captura, uma reabilitação criminal para que seu nome deixe de constar como procurado etc. Outras vezes ele precisa de atendimento psicossocial, porque vem com uma carga de degradação de dentro da unidade prisional muito grande, temos também esses parceiros. Temos parceiros, ainda, que auxiliam na recolocação dessas pessoas no mercado de trabalho e em alguns casos conseguimos até empregabilidade direta para eles. E temos parceiros que dão cursos profissionalizantes para o egresso.

 

O Sr. poderia nos dar uma idéia do volume de atendimento?

No ano passado, atendemos cerca de 17 mil egressos, entre homens e mulheres que saíram do sistema prisional. A meta é elevar o número de CAEs para 25 ou 27 até o final do ano. Embora possa parecer pequeno, esse número de 17 mil atendimentos em 2008 é importante porque as pessoas procuraram os serviços espontaneamente.

 

As Centrais não têm como abrigar essas pessoas?

O Governo do Estado não tem como oferecer esse tipo de serviço diretamente, então faz parcerias com os serviços nos municípios e também com entidades do Terceiro Setor e instituições, para que estes absorvam essa demanda.

 

Sem preconceito

 

Essa demanda não tira espaço de pessoas em situação de rua que precisam dos albergues nas próprias cidades?

Essa pergunta é importante porque permite um esclarecimento. A idéia de que o egresso ocupa a vaga de um cidadão é absolutamente incorreta e preconceituosa. Ao sair da prisão, no momento em que põe o pé na rua, o egresso tem todos os direitos como cidadão imediatamente restabelecidos. Então ele não está ocupando a vaga de outro. Está ocupando a vaga à qual tem direito como cidadão. O problema é que existe uma distorção muito grande do conceito de egresso, assim como dos serviços que lhe são oferecidos. Quando as pessoas vêem a palavra egresso acham que é bandido, mas não é bandido, é cidadão. Já cumpriu a pena, pagou pelo que havia feito e um juiz de Direito o autorizou a estar livre. Essa distorção acontece não só com relação aos albergues, mas com muitos outros serviços públicos oferecidos aos cidadãos. Agora é que o Ministério da Justiça resolveu lançar uma campanha informando o que é o egresso e dizendo que temos que acolher essa pessoa, que é cidadã como qualquer outra.

 

As Centrais surgiram quando?

O trabalho com egressos no sistema prisional ? já fiz uma busca histórica ? remonta à década de 1950. No entanto, até a década de 1990 o trabalho era insipiente. Tínhamos uma Central do Egresso e uma Central de Atendimento à Família. A partir de 2002 é que esse trabalho começou a se ampliar até chegar ao número atual e a esse projeto de crescimento de que já falei. Estamos, também, fazendo uma segunda edição do Guia do Egresso em duas frentes: uma voltada para a Grande São Paulo e outra para o Interior. Além disso, estamos fechando uma parceria com a Secretaria da Justiça, que permitirá que coloquemos uma célula de atendimento ao egresso dentro dos Centros de Integração e Cidadania (CIDs).

 

Na área do Judiciário, especificamente?

Não só. O CID atende em todas as áreas dos Direitos Humanos e da cidadania. Tem posto policial, posto para tirar documentos e outros serviços. Nossa idéia é ampliar a rede de serviços do CID ? já estamos tratando disso com o secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, Luiz Antonio Guimarães Marrey.

 

Que papel as Centrais desempenham na ressocialização do indivíduo?

Como eu disse, as pessoas têm vindo até as Centrais espontaneamente. Significa dizer que não querem cometer outros crimes e voltar para a prisão. O enfoque fundamental das Centrais é na baixa do índice de reincidência criminal. Quanto mais pessoas dessas conseguirmos reinserir na sociedade, menos crimes serão cometidos e menos custo, não só material como social, para toda a sociedade. Por isso volto à tecla do preconceito. Cada vez que depositamos nosso preconceito nessas pessoas não colaboramos para reinseri-las na sociedade. E cada vez que não as reinserimos, cometemos um crime contra nós mesmos. A conta quem está pagando? Nós, sai do meu, do seu e do bolso de quem está nos lendo. E o custo social? Também sai do nosso bolso, embora muitas vezes não seja computado. Daí a necessidade de pensarmos em ações concretas voltadas a esse público. 

 

Serviço dirigido ao egresso

 

Se todas essas parcerias são também oferecidas aos cidadãos e o egresso recuperou sua cidadania, por que manter uma central de atendimento específica para ele?

Porque depois de ter ficado tanto tempo preso, quando sai, ele não consegue ter o mesmo acesso à tecnologia social que nós, que sabemos que ela existe e onde está. O egresso não sabe que indo ao Poupatempo conseguirá tirar rapidamente um RG ou que indo ao PAT fará um credenciamento e poderá conseguir um emprego. Às vezes ele não sabe que indo à Defensoria vai obter acesso a uma assessoria jurídica. Ele precisa do atendimento da Central para saber sobre esses serviços e como poder acessá-los. É o mesmo caso do morador de rua. Muitas vezes passamos perto de um morador de rua, próximo a um albergue. No entanto, ele não sabe que ali, a alguns passos, poderia tomar um banho quente, ser alimentado e ter uma cama para dormir. 

 

O Guia do Egresso seria um instrumento complementar ao serviço da Central?

Sem dúvida. Nós o lançamos há dois anos, em parceria com a Funap. A idéia partiu de

uma pessoa que estava saindo do presídio. Nós apenas a aproveitamos. Hoje, dentro das unidades prisionais pelo menos, o egresso já fica sabendo sobre a existência de todos esses serviços que mencionei como exemplos. E alguns focalizam exclusivamente o público feminino, ou seja, demos atenção ao recorte de gênero, porque hoje não dá para tratar mulher em situação de prisão ou em situação de egressa como homem. Tanto que estamos construindo penitenciárias femininas projetadas especificamente para a mulher.

 

Por que o Estado não oferece atendimento direto a essas demandas?

A idéia não é manter o cordão umbilical que ligava essa pessoa ao Estado, mas que a sociedade atenda as demandas do egresso, porque, como já disse, ele é cidadão e assim tem que ser visto. Não dá mais para uma pessoa chegar na fila de um órgão público para ser atendida em uma determinada demanda e na hora que se identifica como egressa ser colocada no fim da fila. Mesmo tendo passado pelo sistema prisional, já cumpriu a pena, e a Justiça entende que pode estar solta.

 

CAE no Centro

 

Uma das preocupações da comunidade do Centro é o que fazer para mitigar essa tragédia moral de pessoas em situação de rua. Encontrando um egresso nessa situação, o que se deve fazer, indicar-lhe a Central? Onde ela fica?

A Coordenadoria está na Rua Asdrúbal do Nascimento, 454, tel. 3101-7708, e, principalmente, a um quarteirão de distância, temos uma grande CAE na Rua Francisca Miquelina, 232, tel. 3107-1025. Nessa Central, vamos tentar resolver as demandas do egresso. Saber o que ele precisa e encaminhá-lo ao serviço social que pode auxiliá-lo.

 

O que o Sr., que trabalha cotidianamente com essa questão, diria para a comunidade nesse sentido?

Eu diria que devemos olhar para essas pessoas com menos preconceito, inclusive para a pessoa em situação de rua de uma maneira geral. Eu posso fazer até uma analogia. Se alguém está em situação de rua, e é egresso, é porque não quis cometer um novo delito ao ser libertado. Ele aprendeu a lição. Então não tem sentido ser penalizado de novo.

 

Para resolver esse problema que incomoda a comunidade, ou se não incomoda, tornou-a indiferente, ou a induz a ligar para a polícia, pedindo intervenções, o que deveria ser feito?

A resolução do problema está no investimento público. Todas as esferas ? federal, estadual e municipal ? têm que fazer a sua parte. Então é a criação de mais albergues, porque certamente sempre haverá pessoas saindo do sistema prisional ou que não passaram pelo sistema, mas não têm família ou para onde ir, e acabaram na rua. Tem que haver, sim, um olhar da sociedade sem preconceito para com a pessoa em situação de rua, no sentido de apoiar mais as iniciativas do Terceiro Setor que visam à reinserção dessas pessoas. Muitas vezes essas pessoas nunca chegaram a fazer parte da sociedade. E que sociedade? Nós somos a sociedade.

 

Tratar a questão de uma maneira intersecretarial, do ponto de vista do governo, e macrossocial do ponto de vista da sociedade (governo, comunidade, iniciativa privada etc) seria um caminho?

Com certeza. Envolver todas as esferas do Executivo na discussão certamente é um caminho. Às vezes a pessoa que está aqui em situação de rua não é um problema do município de São Paulo, por ela não ser daqui, mas de um outro município, em um outro Estado. E este até poderia ter como resolver o problema, mas se a pessoa não tem como chegar lá, o que ela pode fazer? Acho que se houvesse esse intercâmbio, a circulação de informações entre as esferas, muito se resolveria. É por isso que insisto em que a sociedade tem que olhar o morador de rua sem preconceito. Significa dizer, ter um olhar mais humanista, tratar de um modo mais humano, ter compaixão. Ver que muitas vezes alguém está em situação de rua apenas por não ter as informações que nós temos.