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"Falta uma porta de saída para não continuarmos nas ruas"

11/05/2009

11/05/09

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"Falta uma porta de saída para não continuarmos nas ruas"

 

Divulgação

Robson César Correia de Mendonça

Depoimento de Robson César Correia de Mendonça, coordenador geral do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo, concedido à Viva o Centro para a série especial "Enfrentando a tragédia que é morar na rua".

 

Vítima de violência

 

Cheguei em São Paulo em 1999 e fui vítima de um seqüestro relâmpago. Fiquei sem nada. Perdi todos os meus dentes e passei a morar na rua. Por conta de toda a violência que sofri, abri um processo contra o Estado. Dez anos depois, esse processo ainda tramita na Justiça Federal.

 

Depois do sequestro, fui encaminhado pela Polícia Militar a um albergue noturno de Santo Amaro, onde dormi por um tempo, mas como vivi no Sul do país, para mim morador de rua era bêbado, vagabundo, pessoa que não tinha serventia. Custou para acreditar que estava naquela situação. Eu não me aceitava.

 

Dormi em alguns albergues, mas percebi que não tinha futuro continuar ali e seguir regras, muitas vezes absurdas, ser mal alimentado, dormir mal, ser humilhado, e resolvi dormir definitivamente na rua.

 

Na rua eu tinha um pouco mais de liberdade, não tinha que cumprir horários, não tinha ninguém para me encher o saco, dizendo que tinha que pegar fila para isso, para aquilo.

 

Quando resolvi sair dessa situação, tinha apenas um dinheiro para alugar um cômodo em um cortiço. Pedi colchões e cobertores em um albergue. Fui falar com o serviço social que precisava de uma cesta básica, porque o dinheiro que tinha já era para pagar o outro mês do aluguel, mas disseram que eu não tinha direito.

 

Quase tive que voltar para o albergue, mas tinha que resistir. Ia ao mercado público e pegava frutas e verduras que ficavam amassadas para comer, não queria voltar para o albergue. Ainda não tenho salário fixo, vivo de venda de latinhas e papelão e pago meu aluguel.

 

Perfil do morador de rua

 

Geralmente chamam o morador de rua de mendigo. Mendigo é quem vive na mendicância, não estou dizendo que não viva na mendicância, mas o morador de rua não esmola, pode esmolar para bebida, mas para comida ele vai em portas de restaurantes. Não fica pedindo dinheiro.

 

Nós precisamos entender que temos o morador de rua que vive na rua e não quer sair das ruas, existem aqueles que estão em situação de rua que moram em albergues, abrigos, moradias provisórias, hotéis sociais, cortiços; eles estão ali, mas a qualquer momento podem voltar para as ruas. Temos também os trecheiros, que são aquele que hoje está aqui, amanhã na Bahia, Rio de Janeiro, e depois volta para cá novamente.

 

Nós temos nos albergues uma grande quantidade de ex-presidiários, que saíram dos presídios, e por não existir uma política para eles, acaba indo para os albergues, pois não tem inclusão na família, no mercado de trabalho.

 

Nós temos as pessoas que vêm da periferia, que por não ter dinheiro para pagar a passagem para voltar do Centro para suas casas acabam procurando os albergues e vão para casa só nos fins de semana. Isso dificulta muito para outros moradores de rua que vêm de outras cidades para cá e não têm vaga. Existem 38 albergues em São Paulo, 6 mil leitos e 19 mil moradores de rua, é muito complexo.

 

Nós temos uma grande parcela de moradores de rua com problemas mentais e alcoólatras. As pessoas bebem porque se vêem sem nada e entram em desespero. As pessoas procuram o álcool para se esconder da realidade que estão. Você encontra geralmente o morador de rua com um litro de cachaça e outros drogados. E não tem ninguém para estender a mão e tirar ele da situação que está.

 

O Município e o Estado não oferecem condições para a pessoa recuperar a auto-estima. Acham que um prato de comida e uma cama são suficientes para o morador de rua. Isso é apenas suficiente para a ONG que trabalha com isso, pois ganha por cada pessoa que entra, mas para o morador de rua não.

 

Existem moradores de rua que fizeram faculdade de direito e passaram no exame da OAB, outros se formaram em jornalismo, medicina. Lá em Pernambuco teve aquele jovem que dormia nas ruas e passou em um concurso público para o Banco do Brasil. Nós tivemos vários casos de vencedores da rua, mas são pessoas que venceram com muita dificuldade.

 

Experiência em albergue

 

Percebi que os albergues eram simplesmente depósitos humanos e até hoje têm essa característica. A pessoa chega e os funcionários apenas perguntam de onde você veio, o que veio fazer e quanto tempo vai ficar. Depois dizem a que horas você tem que sair e se não cumprir essas regras é desligado.

 

Tinha tolerância de pertences. No maleiro deveria ter apenas duas calças, duas camisas, um par de sapato. Quem tivesse a mais de bagagem tinha que dispensar o excesso. Não podíamos ter quase nada.

 

Nós escutamos que o morador de rua não quer ir para o albergue porque não pode beber, usar drogas, e não quer tomar banho. Tudo isso é mentira. Dentro do albergue, eu cansei de ver pessoas bebendo e usando drogas, não tem ninguém para fiscalizar. Quando um monitor pega usando drogas ou bebidas ele bota para fora.

 

Organizando-se

 

Um dia uma assistente social conversou comigo. Ela estava assumindo o albergue de Santo Amaro e tinha formado um grupo de auto-ajuda. Eu e outros colegas passamos a interagir com esse grupo que se reunia no albergue quase todas as noites. Fazíamos terapia em grupo, cada um contando quem era. A gente falava das nossas perspectivas de vida e isso me deu ânimo. Depois eu me mudei para o Centro.

 

No Centro, nos juntamos com o pessoal dos albergues Arsenal da Esperança, Ligia Jardim e Jacareí. Demos início a um movimento para lutar pelos nossos direitos. Na época, ele se chamava Movimento de Esperança do Povo da Rua. Trabalhamos nisso.

 

Alguns companheiros achavam que formar um movimento resolveria tudo, que a gente iria melhorar de vida do dia para noite, porque nós tínhamos uma lei, a 12.316. Nós nos informamos sobre ela e realizávamos palestras na Câmara e na Assembléia Legislativa.

 

Lei 12.316

 

A 12.316 é uma lei da Aldaíza Sposati. Sancionada pela Marta Suplicy e complementada pelo Decreto 4232.

 

A lei dá garantias à população de rua. Diz como as pessoas têm que ser tratadas, quais são as obrigações do município para com a população de rua. Diz que o município tem que dar albergues com capacidade para 100 pessoas cada um, ter assistente social para dar encaminhamento para documentação, cursos profissionalizantes, emprego e contato com a família. Se essa lei fosse cumprida não teríamos esse aumento considerável da população de rua.

 

Fala-se sobre maleiros para guardar pertences, banheiros públicos e refeitórios comunitários para a população de rua. Tudo isso está na lei, que nunca foi cumprida, a não ser pela criação do Refeitório Pena Forte Mendes, próximo à Praça 14 Bis. É um restaurante comunitário da população de rua, que dá café, almoço e janta. É mantido por um convênio entre a Prefeitura e algumas entidades, mas a demanda da população de rua é muito grande, então é impossível caber todo mundo ali.

 

Por não cumprir a lei de abrigar apenas 100 pessoas, os albergues que têm menos recolhe até 450. Geralmente são três monitores, como esses monitores fiscalizam essas 450 pessoas? Por esse motivo acontecem infrações dentro dos albergues, e muitas vezes, aquele funcionário é despreparado para tratar o morador de rua.

 

Criam-se certos atritos entre funcionário e usuário. Para que isso melhore é preciso cumprir a lei. Você acha que um lugar com 1.150 pessoas, como o Arsenal da Esperança, todo mundo se conhece? Na tem condições. O sujeito chega no albergue, t

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