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SOCIEDADES AMIGOS DE BAIRROS SABs:
escolas de cidadania e jardins da democracia.
25 de janeiro de 1934 - 25 de
janeiro de 2024: 90 anos de História
Por Edison
Farah
SOCIEDADES AMIGOS DE
BAIRROS
SABs: escolas de cidadania e
jardins da democracia.
1- Surgimento e evolução dos SABs
em São Paulo
2- O período autoritário e as
SABs
3- As SABs na
atualidade
4- O Meio Ambiente e as
SABs
1. SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DAS SABS
EM SÃO PAULO
A década de 50 foi o cenário do
rápido processo de industrialização de São Paulo e seus municípios
vizinhos, por meio da introdução da indústria automobilística e da
expansão das indústrias têxteis, de eletrodomésticos, siderúrgicas,
construção civil, dentre outras. Tal processo levou a um
crescimento explosivo e desordenado da cidade e de sua população,
tendo este aumento experimental expressivo através da chegada de
imigrantes atraídos pelas possibilidades de emprego na cidade que
só faziam crescer.
O impacto desse rápido crescimento
tornou-se ainda mais exposto a deficiência e a incapacidade da
administração pública em atender a demanda por educação, saúde,
urbanismo, saneamento, e todas as condições básicas para um mínimo
necessário de oferecimento de boa qualidade de vida à
população.
Após a revolução de 32 os
paulistas ficaram deprimidos. Todavia não perdeu sua essência como
povo líder, combativo, empreendedor, como é esperado gravado em
nossa bandeira o lema de São Paulo: "Non ducor, duco!", ou seja,
"Não sou demora, conduzo!".
Entre outras diversas ações para
retomada da liderança política, empresarial e social no Brasil,
nomes de destaque da sociedade paulistana, como Francisco Prestes
Maia, Ibrahim Nobre, Lucas Nogueira Garcez, Laudo Natel, Otho
Cirilo Lehman, Anhaia Mello, Goffredo S. Telles, Lauro de Barros
Siciliano e outros, fundaram em 25 de janeiro de 1934 a Sociedade
Amigos da Cidade.
Nas palavras do atual presidente
da SAC, o advogado e mestre João Baptista de Oliveira, "esta
iniciativa surgiu em um momento para a cidade. Naquela época São
Paulo estava lambendo as feridas, porque havíamos perdido a
Revolução de 32. São Paulo difícil de usar de Alguma coisa que
aumentasse sua autoestima. Foi quando foi criada a Sociedade Amigos
da Cidade, com o objetivo de preservar os valores, a tradição, os
símbolos da cidade".
E assim na década de 40 foram
surgindo os primeiros SABs, durante o período de mobilizações
populares, as quais adquiriram papel relevante no contexto da
década de 50, transformando-se, paulatinamente, em importantes
canais de ligação entre as declarações dos moradores e os poderes
públicos, atuando como instrumentos de pressão para a concessão de
serviços e obras básicas e, sobretudo, dando início a um processo
educativo dos princípios de cidadania e de comunidade. A par dessas
tarefas, as SABs atuaram como instrumentos de resgate dos valores
culturais dissipados pela migração, e no aprofundamento das noções
de ambiente e de solidariedade.
Por tais características que
aliavam a ação reivindicatória ao fortalecimento dos vínculos
comunitários, essas associações conquistaram papel de importância
na vida da cidade e no processo de organização popular, permitindo
a pressão do cidadão e da comunidade sobre o Poder Público e
partidos políticos, na defesa de seus direitos.
Contudo, neste tópico da história
do SAC, temos que consignar especial homenagem ao Engenheiro Mário
Savelli, seu presidente na década de 70, pela sua atuação
relevante, e intenso e primoroso trabalho para a formação de
lideranças comprometidas com a comunidade, despertando na juventude
o sentimento de pertencimento, essencial para o exercício da
cidadania, e promovendo a criação de ofertas de SABs em diversos
bairros de São Paulo.
2. O PERÍODO AUTORITÁRIO E AS
SABS
A instalação do regime militar em
1964 interrompeu significativamente os movimentos de organização
popular e, por consequência, o desenvolvimento das SABs.
Instaurando-se uma repressão sobre qualquer esforço de organização,
já que os SABs sofreram um profundo processo de esvaziamento,
processo esse agravado pela massificação via meios de comunicação,
que levam o indivíduo ao isolamento e à passividade, sobretudo
antes da total falta de alternativas de participação que então se
impunha.
Mas, paralelamente ao processo de
esvaziamento dessas entidades, o regime dedicava-se a
instrumentalizar os remanescentes e a criar novos SABs que fossem
dados aos seus interesses. É neste processo que tais entidades
adotam uma prática clientelista, desvirtuando suas verdadeiras
funções. Se não todos, certo a maior parte dessas associações se
transformaram ou em meros centros de lazer, ou em currais
eleitorais de políticos, ou então em entidades meramente
assistencialistas, controladas por "líderes" apaniguados pelo
regime vigente, que norteavam sua atuação pela busca do controle do
movimento popular e pela "troca de favores" com
políticos.
Por essa época ocorre também a
centralização do poder económico que retira das Câmaras Municipais
a faculdade de decisão sobre aplicação de recursos. E é justamente
nestes segmentos que concentrava-se o poder de pressão dos SABs,
fato que dificultava ainda mais sua atuação dentro dos princípios
verdadeiros que deveriam orientar essas
associações.
Essa, portanto, é a tônica da
situação dos SABs nesse período: esvaziadas, destituídas de
representatividade, cerceadas em sua área de atuação,
instrumentalizadas por interesses políticos, elas vão, aos poucos,
apagando-se na memória da coletividade ou transformando-se em
objeto da desconfiança do cidadão.
3. AS SABS NA
ATUALIDADE
O período de redemocratização
iniciado em meados dos anos 70 encontra os SABs nas condições acima
descritas. Esse movimento de organização comunitária vive a crise e
seus reflexos na sua própria sobrevivência, impondo-se um movimento
de interiorização, autocrítica e redirecionamento de objetivos, na
busca de novas formas de reerguimento e
atuação.
No presente momento temos uma
cidade agigantada, caótica, superpopulosa, São Paulo transformada
em um verdadeiro acampamento. São Paulo não é mais uma Urbe.
Transformou-se num acampamento. Num acampamento de
desesperados!
Coloca-se a questão: O que fazer
perante tal conjuntura?
A história prova que somente
através da participação de todos os segmentos da população é
possível encontrar soluções. A complexidade da vida moderna deve
impedir a pretensão de se conduzir a administração da coisa pública
de maneira centralizada, pois tal pretensão reflete incompetência
ou má-fé.
À medida em que as cidades crescem
(e, no caso de São Paulo, agiganta-se), cabe às SABs, mais do que
nunca, o papel fundamental de servirem de elo entre as aspirações
da comunidade e os poderes públicos, direcionando esforços
coletivos para a preservação, conservação e manutenção de
equipamentos urbanos, o que, no Hemisfério Norte, chama-se
"iniciativa dos cidadãos".
O potencial dos SABs é enorme.
Podem ser o germe da verdadeira democracia participativa, desde que
se libertem das injunções político-partidárias e se transformem de
fato em polos de convergência dos anseios e das reivindicações da
população local e, principalmente, em polos de congraçamento, onde
cada cidadão expõe em seu vizinho um irmão.
Sem dúvida, para alcançar tais
objetivos pressupõe que essas entidades de moradores se organizem
de fato, deixem de ser grupos simples que se formam aleatoriamente,
e passem a contar com um mínimo de infraestrutura que
garanta:
1- a participação efetiva da
população local;
2- representatividade legítima
para suas lideranças;
3- transporte de recursos
materiais e humanos necessários para uma boa operacionalidade das
atividades a que se propõe;
4- mecanismos de autodepuração que
impeçam definitivamente a sua manipulação por interesses
estranhos.
Atualmente o universo dos SABs em
São Paulo é pontilhado por entidades que buscam realmente cumprir
os objetivos de uma associação externa unicamente aos interesses da
população local e, infelizmente, é pontilhado também por entidades
sem representatividade local, capitaneadas por interesses estranhos
à comunidade, que atuam ora como instrumentos de projeção de seus
"líderes", ora como balcões de "troca de favores" com políticos,
contaminadas pelo clientelismo e pelo
assistencialismo.
A propósito, sobre "líderes"
comunitários, vale aqui um oportuno esclarecimento: a partir da
democratização de algumas instâncias de decisão no Brasil, a nível
municipal ou estadual e mesmo, federal, na esteira de alguns
governos mais ou menos de cultura participativa, como soe aconteceu
neste país, surgiu logo uma nova modalidade de aproveitamentos,
pessoas que desenvolveram na atividade comunitária um meio de vida,
uma forma de tirar benefícios pessoais e/ou financeiros, indivíduos
a quem pensam chamar de "pelegos da cidadania", "líderes
comunitários de prateleira", à disposição e para servir aqueles que
lhes pagam. Esta nova figura após temas e/ou causas populares quer
de ordem socioeconômica, seja ambiental, ou urbana, e até
religiosas, para, na primeira oportunidade, à melhor oferta,
venderem seus préstimos, treinando vergonhosamente quem neles
confiou.
Por outro lado, é de capital
importância ainda combater o isolamento existente entre os SABs,
buscando mecanismos de atuação conjunta, criação de entidades que
os congreguem sem ferir os princípios de independência e os
especialistas de cada associação, mas sim, buscando, através da
união , o fortalecimento do movimento. É ainda preciso garantir aos
SABs o poder de decisão sobre as prioridades locais. Ou seja, deve
ser definido um nível institucional uma legislação que assegure à
população o poder de deliberar sobre todos os projetos e
equipamentos urbanos pertinentes à sua
jurisdição.
4. O MEIO AMBIENTE E AS
SABs
Há décadas defendemos a tese de
que a aspiração máxima de toda sociedade deve ser a felicidade do
Homem. É parte essencial dessa felicidade um "Habitat" que garanta
ao ser humano condições mínimas de saúde física e psicossocial. Sem
um "habitat" adequado ao homem já é, antes de mais nada, um ser
doente, e o Meio Ambiente é fator absolutamente condicionante da
saúde.
Referimo-nos ao Meio Ambiente em
toda a sua complexidade e abrangência, que vai além da exigência
primordial de preservação da natureza, do verde, dos ecossistemas,
e que engloba aspectos como a otimização dos equipamentos urbanos,
a conservação de calçadas, parques e praças, a implementação de um
sistema de transportes racional e adequado às necessidades da
população, e que agrida o menos possível o entorno natural, com a
implantação de uma legislação urbana que cerceie a especulação
imobiliária e sua ação deletéria sobre as cidades, preservando
conjuntos de valor histórico, atualizado ou cultural, enfim, que
respeita cada aspecto do cotidiano da
comunidade.
Como os SABs precisam popularizar
urgentemente entre a comunidade a noção de que a cidade e o bairro
são seus, que ela pode e deve participar do gerenciamento e
preservação da preservação de seu "habitat", mas que, somente
organizado, poderá exercer tal papel em proveito próprio das
futuras gerações.
A comunidade deve ser informada
que a preservação do Meio Ambiente reflete-se também nas questões
pertinentes à segurança do cidadão. Uma cidade com parques, praças,
ruas, pontes, abandonadas e destruídas transforma tais locais em
cenários de banditismo e de violência. A precariedade de áreas de
lazer e de atividades culturais patrocinadas pelo município
subtraem à juventude a possibilidade de experiências
enriquecedoras, facilitando seu ingresso no mundo das drogas e da
violência. Afinal se a praça, a rua, não estão ocupadas pela
comunidade e suas crianças, são dominadas por marginais e pelo
crime organizado que, palmo a palmo, ocupam os espaços dos quais a
comunidade abriu mão, e onde o cidadão vive no cotidiano como um
refém, atrás das notas com que ele mesmo se cerca, para ter uma
ilusória sensação de segurança.
Portanto, como corolário dessa
saga, nada melhor que os SABs, que são os cidadãos organizados na
defesa do seu espaço, para exercerem as funções de prevenção da
destruição ambiental. Cada cidadão deve ser um fiscal do Meio
Ambiente, deve ter plena consciência de que ele faz parte do Meio
e, portanto, considerar que qualquer agressão a esse Meio é um
perigo à sua integridade.
A falta de um projeto de nação, de
um ideal coletivo, de objetivos altruístas e/ou comunitários, leva
as criaturas à patologia do individualismo, e à desesperança, a
qual é fruto da consciência da sua impotência, da sua nulidade numa
polis hostil.
SABs: Escolas de Cidadania e
Jardins da Democracia
Edison Farah, brasileiro,
paulista, paulistano, economista, formado pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, é tributarista, e jornalista. É
Consultor em administração, tributação, e projetos sociais para
empresas e organizações da sociedade civil. É Presidente do Bairro
Vivo-Instituto de Desenvolvimento Urbano e Social. É Presidente da
Associação "Viva o Centro" de São Paulo. É Vice-presidente da
API-Associação Paulista da Imprensa. É membro da coordenação do
Fórum Permanente da Cidadania, Meio Ambiente e Segurança Pública de
São Paulo. É membro do movimento "Defenda São
Paulo".